segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Dia D Drummond


sábado, 29 de outubro de 2011

Quarto em desordem

Na curva perigosa dos cinqüenta
derrapei neste amor. Que dor! que pétala
sensível e secreta me atormenta
e me provoca à síntese da flor

que não sabe como é feita: amor
na quinta-essência da palavra, e mudo
de natural silêncio já não cabe
em tanto gesto de colher e amar


a nuvem que de ambígua se dilui
nesse objeto mais vago do que nuvem
e mais indefeso, corpo! Corpo, corpo, corpo

verdade tão final, sede tão vária
a esse cavalo solto pela cama
a passear o peito de quem ama. 

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 28 de outubro de 2011


Não te quero senão porque te quero,
e de querer-te a não te querer chego,
e de esperar-te quando não te espero,
passa o meu coração do frio ao fogo.
Quero-te só porque a ti te quero,
Odeio-te sem fim e odiando te rogo,
e a medida do meu amor viajante,
é não te ver e amar-te,
como um cego.

Tal vez consumirá a luz de Janeiro,
seu raio cruel meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego,
nesta história só eu me morro,
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero amor,
a sangue e fogo.

Pablo Neruda

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Sermão do 4º Domingo

"A mim a imagem dos meus pecados me comove muito mais que essa imagem do Cristo crucificado. Diante dessa imagem do Cristo crucificado, sou levado a ensoberbecer-me por ver o preço pelo qual Deus me comprou; diante da imagem dos meus pecados é que eu me apequeno por ver o preço pelo qual eu me vendi. Por ver que Deus me compra com todo o seu sangue, eu sou levado a pensar que eu sou muito, que eu valho muito. Mas quando noto que eu me vendo pelos nadas do mundo, aí eu vejo que sou nada. Eu valho nada."
Padre Antonio Vieira

Em Vida...

"Deus permita que eu esteja vivo no dia de minha morte."
(Winnicott)

É bem possível que, neste instante, olhos atentos queiram desnudar-me e alvejar-me com lanças que toquem meu coração e o façam calar.
É bem possível que, neste momento, haja um ladrão à minha espreita, ansioso por furtar-me os desejos mais recônditos.
É bem possível que, neste instante, uma guitarra portuguesa embriagada de tanta solidão dedilhe as notas derradeiras da trilha sonora que não me coube.
É bem possível que, neste momento, um cataclismo, um furacão e um terremoto enfurecidos me lancem pelos ares e espalhem pedaços meus pelo mar.
Neste momento de desolação, é bem possível que nada valha a pena, que pouco me reste, que nada seja permitido, que tudo se perca nos vãos do esquecimento.

Entretanto, neste mesmo instante (pois tudo n'alma acontece ao mesmo tempo), uma estrela talvez brilhe no céu escuro e eu sinta (ou finja) que ela me sorri ingenuamente.
Então, neste momento, é bem possível que um anjo lindo, de cabelos bem encaracolados, desnude-me e brinque comigo como nos meus tempos de quintal.
É bem possível que, neste momento, o amor me desperte de sonhos confusos e traga os castelos roubados no tempo da minha inocência.
É bem possível que, neste momento, eu componha uma modinha bem simples, de estrofes fáceis e notas alegres, que me faça chorar de felicidade e saudade.
É bem possível que, neste momento, o sopro divino me lance no ar e me faça voar livre e despido de tudo aquilo que não me serve e que, por isso, me ornamenta.
Neste momento de sonho possível, é bem provável que alguém chegue e me resgate da melancolia que me consome, tranquilize meu coração inquieto, não permita que a morte me devore e me devolva novamente a Deus.

E assim, no meio de tudo que me acomete o tempo todo e a qualquer hora, poderei brincar com meus sentimentos e minhas palavras.
Poderei, enfim, fazer das palavras que conheço e me servem as peças que se encaixam nos sentimentos que me excitam.
Assim, os sentimentos poderão ser refletidos por palavras encantadas, que transformam a mim e minha existência na mais santificada das poesias.
Carlos Villarruel
3.9.2011

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A nossa casa


A nossa casa, Amor, a nossa casa!
Onde está ela, Amor, que não a vejo?
Na minha doida fantasia em brasa
Constrói-a, num instante, o meu desejo
Onde está ela, Amor, a nossa casa,
O bem que neste mundo mais invejo?
O brando ninho aonde o nosso beijo
Será mais puro e doce que uma asa?
Sonho... que eu e tu, dois pobrezinhos.
Andamos de mãos dadas, nos caminhos
Duma terra de rosas, num jardim,
Num pais de ilusão que nunca vi...
E que eu moro — tão bom! — dentro de ti
E tu, ó meu Amor, dentro de mim...

Florbela Espanca 

Cartas de um Sedutor

Perdoa-me, Cordélia, mas a não ser tu, minha irmã e tão bela, não tive um nítido e premente desejo por mulher alguma. Mas sempre gosto de ser chupado. Então às vezes seduzo algumas de beiçolinha revirada. Mas o falo na rosa, nas mulheres, só ‘in extremis’. Há em todas as mulheres um langor, um largar-se que me desestimula. Gosto de corpos duros, esguios, de nádegas iguais àqueles gomos ainda verdes, grudados tenazmente à sua envoltura. Gosto de cu de homem, cus viris, uns pêlos negros ou aloirados à volta, um contrair-se, um fechar-se cheio de opinião. E as mulheres com seus gemidos e suas falações e grandes cus vermelhuscos não me atraem. Bunda de mulher deve dar bons bifes no caso de desastre na neve. Lestes sobre os tais que comeram os amiguinhos e amiguinhas congelados? Voltando à nadegas. As tuas. Douradas e frescas. Tu foste única. Tuas nádegas também. Firmes, altas, perfeitas como as de um rapaz.

Hilda Hilst
Trecho lido por Francisco no filme Do começo ao fim.

sábado, 8 de outubro de 2011

Loucos e Santos



Escolho meus amigos não pela pele 
ou outro arquétipo qualquer, 
mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador 
e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem 
o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças 
e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade 
sua fonte de aprendizagem, 
mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; 
e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, 
nunca me esquecerei de que "normalidade" 
é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

Eu sou um ser totalmente passional.....

Eu sou um ser totalmente passional.
Sou movida pela emoção, pela paixão...
tenho meus desatinos...
Detesto coisas mais ou menos...
Não sei conviver com pessoas mais ou menos...
Não sei amar mais ou menos...
Não me entrego de forma mais ou menos...
Se você procura alguém coerente,
sensata,politicamente correta,
racional,cheia de moralismo...
ESQUEÇA-ME!"

Se você sabe conviver com pessoas 
intempestivas, emotivas, vulneráveis,
amáveis, que explodem na emoção... 
ACOLHA-ME!
Se você se assusta com esse meu jeito de ser... 
AFASTE-SE!
Se você quiser me conhecer melhor...
APROXIME-SE!
Se você não gosta de mim, 
IGNORE-ME!
E quando eu partir.....
NÃO CHORE!



sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A Bailarina


Bailarina, ilustração de Yuri Dyatlov

Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.

Não conhece nem dó nem ré
mas sabe ficar na ponta do pé.

Não conhece nem mi nem fá
Mas inclina o corpo para cá e para lá.

Não conhece nem lá nem si,
mas fecha os olhos e sorri.

Roda, roda, roda, com os bracinhos no ar
e não fica tonta nem sai do lugar.

Põe no cabelo uma estrela e um véu
e diz que caiu do céu.

Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.

Mas depois esquece todas as danças,
e também quer dormir como as outras crianças.
Cecília Meireles

Eu Quero Ser Possuída Por Você

Eu quero ser possuída por você,pelo seu corpo,
pela sua proteção, pelo seu sangue.
Me ama!
Eu quero que você me ame e fique eternamente me amando dentro de mim.

Com sua carne e o seu amor.
Eternamente, infinitamente dentro de mim
me envolvendo, me decifrando, me consumindo, me revelando...

Como uma tarde dentro do elevador, no verão, voltando da praia
e você me abraçou e eu te abracei...
E quanto mais eu me entregava, mais nascia o meu desejo,
Mais sobrava só o desejo, e mais eu te queria sem palavras, sem pensamentos...

A vida inteira resumida só no desejo da tua boca dizendo o meu nome,
Da tua mão conduzindo a minha mão,
Do teu corpo revelando o meu corpo,
Como se o mundo fosse pela primeira vez,

Você o meu ponto de referência nessa cidade...

José Vicente


quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Estâncias

O que eu adoro em ti não são teus olhos
Teus lindos olhos cheios de mistério,
Por cujo brilho os homens deixariam
Da terra inteira o mais soberbo império.

O que eu adoro em ti não são teus lábios
Onde perpétua juventude mora,
E encerram mais perfumes do que os vales
Por entre as pompas festivais d'aurora.

O que eu adoro em ti não é teu rosto
Perante o qual o mármor descorara,
E ao contemplar a esplêndida harmonia
Fídias o mestre seu cinzel quebrara.

O que eu adoro em ti não é teu colo
Mais belo que o da esposa israelita,
Torre de graças, encantado asilo
Aonde o gênio das paixões habita.


O que eu adoro em ti não são teus seios,
Alvas pombinhas que dormindo gemem,
e do indiscreto vôo duma abelha
Cheias de medo em seu abrigo tremem.

O que eu adoro em ti, ouve, é tu'alma
Pura como o sorrir de uma criança,
Alheia ao mundo, alheia aos preconceitos,
Rica de crenças, rica de esperança.

São as palavras de bondade infinda
Que sabes murmurar aos que pedecem.
Os carinhos ingênuos de teus olhos
Onde celestes gozos transparecem!...

Um não sei quê de grande, imaculado
Que faz-me estremecer quando tu falas,
E eleva-me pensar além dos mundos
Quando abaixando as pálpebras te calas.

E por isso em meus sonhos sempre vi-te
Entre nuvens de incenso em aras santas,
E das turbas solícitas no meio
Também contrito hei te beijado as plantas.

e como és linda assim! Chamas divinas
Cercam-te as faces plácidas e belas,
Um longo manto pende-te dos ombros
Salpicado de nítidas estrelas!

Na doida pira um amor terrestre
Pensei sagrar-te o coração demente...
Mas ao mirar-te deslumbrou-me o raio...
Tinhas nos olhos o perdão somente!

Fagundes Varela