quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O Chamado das Pedras


quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Se eu morresse amanhã


Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!

Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!

Que sol! que céu azul! que doce n'alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!

Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o dolorido afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!



Álvares de Azevedo

Eu sei, mas não devia





Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.

(1972)

sábado, 19 de outubro de 2013

Horário de Verão - 2013


O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) confirmou o início do horário de verão para às 0 horas do dia 20 de outubro de 2013. Neste período, moradores de estados das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste têm de adiantar os seus relógios em uma hora.

Dados do Operador Nacional do Sistema (ONS) demonstra o sucesso do horário de verão 2012/2013, que gerou redução de 2.477MW no consumo de energia. A medida beneficiou os subsistemas Sudeste, Centro-Oeste, Sul e Norte, referentes à participação do estado do Tocantins.

Essa cifra representa 4,5% da demanda máxima dos três subsistemas e é equivalente a cerca de R$ 200 milhões.Parte dessa economia é gerada pela menor utilização de iluminação artificial nas residências, que representa de 15 a 25% do valor da conta de luz.

Todos os anos, durante a transição entre as estações primavera e verão, até o início do outono, os dias ficam duas horas mais longos, com aproximadamente 14 horas de duração.

Ou seja, neste ano, em que o horário de verão começa no dia 20 de outubro e segue até 16 de fevereiro, teremos, teoricamente, 118 dias com duas horas a menos de luzes acesas.

Para exemplificar, podemos dizer que, para cada lâmpada incandescente de 100 Watts que permanecer essas duas horas a menos por dia em funcionamento, você economizará R$ 9,20, considerando o custo de R$ 0,39 KW/h. Supondo que uma casa possua 10 unidades, a economia será de R$ 92 durante todo o período.

O estado da Bahia novamente não fará parte do programa este ano, conforme confirmou o governador baiano, Jaques Wagner.

No dia 16 de fevereiro de 2014, os relógios serão atrasados em uma hora, com o fim do horário de verão.

Como ficam os estados:

Com a mudança de horário, os fusos do Brasil se organizam da seguinte forma em relação ao horário da capital do país:

  • 2h: os estados do Acre, Amazonas, Roraima e Rondônia ficam duas horas atrás do horário de Brasília;
  • 1h: os estados do Nordeste (inclusive Bahia), Pará, Amapá, Tocantins, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul continuam com uma hora a menos do que o horário da capital federal;
  • 0h: as regiões Sul e Sudeste, mais o estado de Goiás, adotam a mesma hora de Brasília durante o horário de verão.

EBC

Para Viver Um Grande Amor


Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.


Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... — não tem nenhum valor.

Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.

Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.

Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.

É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.

Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.
Vinicius de Moraes

Texto extraído do livro "Para Viver Um Grande Amor", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1984, pág. 130.

Vinícius de Moraes - Biografia


"São demais os perigos desta vida
Pra quem tem paixão principalmente
Quando uma lua chega de repente
E se deixa no céu, como esquecida
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher..."



O biógrafo de Vinicius, José Castello, autor do excelente livro "Vinicius de Moraes: o Poeta da Paixão - uma biografia" nos diz que o poeta foi um homem que viveu para se ultrapassar e para se desmentir. Para se entregar totalmente e fugir, depois, em definitivo. Para jogar, enfim, com as ilusões e com a credulidade, por saber que a vida nada mais é que uma forma encarnada de ficção. Foi, antes de tudo, um apaixonado — e a paixão, sabemos desde os gregos, é o terreno do indomável. Daí porque fazer sua biografia era obra ingrata.

Dele disse Carlos Drummond de Andrade: "Vinicius é o único poeta brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão. Quer dizer, da poesia em estado natural". "Eu queria ter sido Vinicius de Moraes". Otto Lara Resende assim o definiu: "Manuel Bandeira viveu e morreu com as raízes enterradas no Recife. João Cabral continua ligado à cana-de-açúcar. Drummond nunca deixou de ser mineiro. Vinicius é um poeta em paz com a sua cidade, o Rio. É o único poeta carioca". Mas ele dizia nada mais ser que "um labirinto em busca de uma saída".

O que torna Vinicius um grande poeta é a percepção do lado obscuro do homem. E a coragem de enfrentá-lo. Parte, desde o princípio, dos temas fundamentais: o mistério, a paixão e a morte. Quando deixa a poesia em segundo plano para se tornar show-man da MPB, para viver nove casamentos, para atravessar a vida viajando, Vinicius está exercendo, mais que nunca, o poder que Drummond descreve, sem conseguir dissimular sua imensa inveja: "Foi o único de nós que teve a vida de poeta".

Marcus Vinitius da Cruz e Mello Moraes aos nove anos de idade parece que pressente o poeta: vai, com a irmã Lygia ao cartório na Rua São José, centro do Rio, e altera seu nome para Vinicius de Moraes. Nascido em 19-10-1913, na Rua Lopes Quintas, 114 — bairro da Gávea, na Cidade Maravilhosa, desde cedo demonstra seu pendor para a poesia. Criado por sua mãe, Lydia Cruz de Moraes, que, dentre outras qualidades, era exímia pianista, e ao lado do pai, Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, poeta bissexto, Vinicius cresce morando em diversos bairros do Rio, infância e juventude depois contadas em seus versos, que refletiam o pensamento da geração de 1940 em diante.

Em 1916, a família muda-se para a rua Voluntários da Pátria, 129, no bairro de Botafogo, passando a residir com os avós paternos, Maria da Conceição de Mello Moraes e Anthero Pereira da Silva Moraes.

No ano seguinte mudam-se para a rua da Passagem, 100, no mesmo bairro. Nasce seu irmão Helius. Com a irmão Lydia, passa a freqüentar a escola primária Afrânio Peixoto, à rua da Matriz.

Em 1920, por disposição de seu avô materno, é batizado na maçonaria, cerimônia que lhe causaria grande impressão.

Após três outras mudanças, em 1922 a família transfere-se para a Ilha do Governador, na praia de Cocotá, 109-A.

Faz sua primeira comunhão na Matriz da rua Voluntários da Pátria, no ano seguinte.

Em 1924, inicia o Curso Secundário no Colégio Santo Inácio, na rua São Clemente. Começa a cantar no coro do colégio nas missas de domingo, criando fortes laços de amizade com seus colegas Moacyr Veloso Cardoso de Oliveira e Renato Pompéia da Fonseca Guimarães, este sobrinho de Raul Pompéia. Participa, como ator, em peças infantis.

Torna-se amigo dos irmãos Paulo e Haroldo Tapajóz, em 1927, com os quais começa a compor. Com eles, e alguns colegas do colégio, forma um pequeno conjunto musical que atua em festinhas, em casas de famílias conhecidas.

Compõe, no ano seguinte, com os irmãos Tapajóz, "Loura ou morena" e "Canção da noite", que têm grande sucesso. Nessa época, namora invariavelmente todas as amigas de sua irmã Laetitia.

A família volta a morar na rua Lopes Quintas em 1929, ano em que Vinicius bacharela-se em Letras no Santo Inácio. No ano seguinte entra para a faculdade de Direito da rua do Catete, sem vocação especial. Defende tese sobre a vinda de d. João VI para o Brasil, para ingressar no "Centro Acadêmico de Estudos Jurídicos e Sociais" (CAJU), tornando-se amigo de Otávio de Faria, San Thiago Dantas, Thiers Martins Moreira, Antônio Galloti, Gilson Amado, Hélio Viana, Américo Jacobina Lacombe, Chermont de Miranda, Almir de Andrade e Plínio Doyle.

Em 1931, entra para o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR).

Forma-se em Direito e termina o Curso de Oficial da Reserva, em 1933. Estimulado por Otávio de Faria, publica seu primeiro livro, O caminho para a distância, na Schimidt Editora.

Forma e exegese, seu livro de poesias lançado em 1935, ganha o prêmio Felipe d'Oliveira.

Em 1936, substitui Prudente de Moraes Neto como representante do Ministério da Educação junto à Censura Cinematográfica. Publica, em separata, o poema "Ariana, a mulher". Conhece o poeta Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, dos quais se torna amigo.

Em 1938, é agraciado com a primeira bolsa do Conselho Britânico para estudar língua e literatura inglesas na Universidade de Oxford, para onde parte em agosto daquele ano. Trabalha como assistente do programa brasileiro da BBC. Conhece, então, na casa de Augusto Frederico Schmidt, o poeta e músico Jayme Ovalle, de quem se tornaria um dos maiores amigos. Instado por outro grande amigo, Otávio de Faria, a se tornar um poeta mais com os pés no chão, e não o "inquilino do sublime" como, então, o chamou, lança Novos Poemas. Seguindo esta mesma linha, são lançados, posteriormente, Cinco Elegias, em 1943, e Poemas, Sonetos e Baladas, escrito em 1946, que já começam a mostrar o poeta sensual e lírico, mas, como ele próprio disse, um "poeta do cotidiano".

No ano seguinte, casa-se por procuração com Beatriz Azevedo de Mello. No final desse ano, retorna ao Brasil devido à eclosão da II Grande Guerra. Parte da viagem é feita em companhia de Oswald de Andrade.

O ano de 1940 marca o nascimento de sua primeira filha, Suzana. Torna-se amigo de Mário de Andrade.

Estréia como crítico de cinema e colaborador no Suplemento Literário do jornal "A Manhã", em companhia de Cecília Meireles, Manuel Bandeira e Afonso Arinos de Melo Franco, sob a orientação de Múcio Leão e Cassiano Ricardo, em 1941.

Em 1942, nasce seu filho Pedro. Favorável ao cinema silencioso, Vinicius inicia um debate sobre o assunto com Ribeiro Couto, que depois se estende à maioria dos escritores brasileiros mais em voga, e do qual participam Orson Welles e madame Falconetti. A convite do então prefeito de Belo Horizonte (MG), Juscelino Kubitschek, chefia uma caravana de escritores brasileiros àquela cidade, onde se liga por amizade a Hélio Pelegrino, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Otto Lara Resende. Juntamente com Rubem Braga e Moacyr Werneck de Castro, inicia a roda literária do Café Vermelhinho, no Rio de Janeiro, à qual se misturam a maioria dos jovens arquitetos e artistas plásticos da época, como Oscar Niemeyer, Carlos Leão, Afonso Reidy, Jorge Moreira, José Reis, Alfredo Ceschiatti, Santa Rosa, Pancetti, Augusto Rodrigues, Djanira e Bruno Giorgi, entre outros. Conheceu a escritora argentina Maria Rosa Oliveira e, através dela, Gabriela Mistral. Freqüenta as domingueiras na casa de Aníbal Machado. Ainda nesse ano, faz extensa viagem ao Nordeste do Brasil acompanhando o escritor americano Waldo Frank, a qual muda radicalmente sua visão política, tornando-se um antifacista convicto. Na estada em Recife, conhece o poeta João Cabral de Melo Neto, de quem se tornaria, depois, grande amigo.

No ano seguinte, ingressa, por concurso, na carreira diplomática. Publica Cinco Elegias em edição mandada fazer por Manuel Bandeira, Aníbal Machado e Otávio de Faria.

Dirige, em 1944, o Suplemento Literário de "O Jornal", onde lança, entre outros, Pedro Nava, Francisco de Sá Pires, Oscar Niemeyer, Carlos Leão, Marcelo Garcia e Lúcio Rangel, em colunas assinadas, e publica desenhos de artistas plásticos até então pouco conhecidos, como Athos Bulcão, Maria Helena Vieira da Silva, Alfredo Ceschiatti, Carlos Scliar, Eros (Martin) Gonçalves e Arpad Czenes.

Em 1945, um grande susto: sofre grave desastre de avião na viagem inaugural do hidro "Leonel de Marnier", perto da cidade de Rocha, no Uruguai. Em sua companhia estão Aníbal Machado e Moacyr Werneck de Castro. Colabora com vários jornais e revistas, como articulista e crítico de cinema. Escreve crônicas diárias para o jornal "Diretrizes". Faz amizade com o poeta chileno Pablo Neruda.

No ano de 1946, assume seu primeiro posto diplomático: vice-consul do Brasil em Los Angeles, Califórnia (USA). Ali permanece por quase cinco anos, sem retornar ao seu país. Publica, em edição de luxo, com ilustrações de Carlos Leão, seu livro, Poemas, sonetos e baladas.

Vinicius, amante da sétima arte, inicia seus estudos de cinema com Orson Welles e Gregg Toland. Lança, com Alex Viany, a revista Film, em 1947.

Em 1949, João Cabral de Melo Neto tira, em sua prensa manual, em Barcelona, uma edição de cinqüenta exemplares de seu poema Pátria Minha.

Visita o poeta Pablo Neruda, no México, que se encontrava gravemente enfermo. Ali conhece o pintor Diogo Siqueiros e reencontra o pintor Di Cavalcanti. Morre seu pai. Volta ao Brasil, em 1950.

No ano seguinte, casa-se, pela segunda vez, com Lila Maria Esquerdo e Bôscoli. A convite de Samuel Wainer, começa a colaborar no jornal "Última Hora", como cronista diário e posteriormente crítico de cinema.

Em 1952, é nomeado delegado junto ao Festival de Punta del Este, fazendo paralelamente sua cobertura para "Última Hora". Terminado o evento, parte para a Europa, encarregado de estudar a organização dos festivais de cinema de Cannes, Berlim, Locarno e Veneza, no sentido da realização do Festival de Cinema de São Paulo, dentro das comemorações do IV Centenário da cidade. Em Paris, conhece seu tradutor francês, Jean Georges Rueff, com quem trabalha, em Estrasburgo, na tradução de suas Cinco Elegias. Sob encomenda do diretor Alberto Cavalcanti, com seus primos Humberto e José Francheschi, visita, fotografa e filma as cidades mineiras que compõem o roteiro do Aleijadinho, com vistas à realização de um filme sobre a vida do escultor.

Em 1953, nasce sua filha Georgiana. Compõe seu primeiro samba, música e letra, "Quando tu passas por mim". Faz crônicas diárias para o jornal "A Vanguarda" e colabora no tablóide semanário "Flan", de "Última Hora". Parte para Paris como segundo secretário de Embaixada. Escreve Orfeu da Conceição, obra que seria premiada no Concurso de Teatro do IV Centenário da Cidade de São Paulo no ano seguinte, e que teve montagem teatral em 1956, com cenários de Oscar Niemeyer. Posteriormente transformada em filme (com o nome de Orfeu negro) pelo diretor francês Marcel Camus, em 1959, obteve grande sucesso internacional, tendo sido premiada com a Palma de Ouro no Festival de Cannes e com o Oscar, em Hollywood, como o melhor filme estrangeiro do ano. Nesse filme acontece seu primeiro trabalho com Antônio Carlos Jobim (Tom Jobim).

Sai da primeira edição de sua Antologia Poética. A revista "Anhembi" publica Orfeu da Conceição, em 1954.

No ano seguinte, compõe, em Paris, uma série de canções de câmara com o maestro Cláudio Santoro. Começa a trabalhar para o produtor Sasha Gordine, no roteiro do filme Orfeu negro. Volta ao Brasil em curta estada, buscando obter financiamento para a realização do filme. Diante do insucesso da missão, retorna a Paris em fins de dezembro.

Em 1956, retorna à pátria, no gozo de licença-prêmio. Nasce sua filha, Luciana. A convite de Jorge Amado, colabora no quinzenário "Para Todos", onde publica, na primeira edição, o poema O operário em construção. A peça Orfeu da Conceição é encenada no Teatro Municipal, que aparece também em edição comemorativa de luxo, ilustrada por Carlos Scliar. As músicas do espetáculo são de autoria de Antônio Carlos Jobim, dando início a uma parceria que, tempos depois, com a inclusão do cantor e violonista João Gilberto, daria início ao movimento de renovação da música popular brasileira que se convencionou chamar de bossa nova. Retorna ao posto, em Paris, no final do ano.

Publica Livro de Sonetos, em edição de Livros de Portugal, em 1957. É transferido da Embaixada em Paris para a Delegação do Brasil junto à UNESCO. No final do ano é transferido para Montevidéu, regressando, em trânsito, ao Brasil.

Em 1958, sofre um grave acidente de automóvel. Casa-se com Maria Lúcia Proença. Parte para Montevidéu. Sai o LP "Canção do amor demais", de músicas suas com Antônio Carlos Jobim, cantadas por Elizete Cardoso. No disco ouve-se, pela primeira vez, a batida da bossa nova, no violão de João Gilberto, que acompanha a cantora em algumas faixas, entre as quais o samba "Chega de saudade", considerado o marco inicial do movimento.

1959 marca o lançamento do LP "Por toda a minha vida", de canções suas com Jobim, pela cantora Lenita Bruno. Casa-se sua filha Susana.

No ano seguinte, retorna à Secretaria de Estado das Relações Exteriores. Em novembro, nasce seu neto Paulo. Sai a segunda edição de sua Antologia Poética, uma edição popular da peça Orfeu da Conceição e Recette de femme et autres poèmes, tradução de Jean-Georges Rueff.

Começa a compor com Carlos Lyra e Pixinguinha. Aparece Orfeu negro, em tradução italiana de P. A. Jannini, em 1961.

Dá início à composição de uma série de afro-sambas, em parceria com Baden Powell, entre os quais "Berimbau" e "Canto de Ossanha". Com Carlos Lyra, compõe as canções de sua comédia musicada Pobre menina rica. Em agosto desse ano, 1962, faz seu primeiro show, que obteve grande repercussão, ao lado de Jobim e João Gilberto, na boate "Au Bon Gourmet", iniciando a fase dos "pocket-shows", onde foram lançados grandes sucessos internacionais como "Garota de Ipanema" e "Samba da benção". Na mesma boate, faz apresentação com Carlos Lyra para apresentar "Pobre menina rica", ocasião em que é lançada a cantora Nara Leão. Compõe, com Ary Barroso, as últimas canções do grande mestre da MPB, como "Rancho das Namoradas". É lançado o livro Para viver um grande amor. Grava, como cantor, um disco com a atriz e cantora Odete Lara.

Em 1963, inicia uma parceria que produziria grandes sucessos com Edu Lobo. Casa-se com Nelita Abreu Rocha e retorna a Paris, assumindo posto na Delegação do Brasil junto à UNESCO.

No início da revolução de 1964, retorna ao Brasil e colabora com crônicas semanais para a revista "Fatos e Fotos", ao mesmo tempo em que assinava crônicas sobre música popular para o "Diário Carioca". Começa a compor com Francis Hime. Com Dorival Caymmi, participa de show muito sucesso na boate Zum-Zum, onde lança o Quarteto em Cy. Desse show é feito um LP.

1965 marca o lançamento de Cordélia e o peregrino, em edição do Serviço de Documentação do Ministério de Educação e Cultura. Ganha o primeiro e segundo lugares do I Festival de Música Popular de São Paulo, da TV Record, em canções de parceria com Edu Lobo e Baden Powell. Parte para Paris e St. Maxime para escrever o roteiro do filme "Arrastão". Indispõem-se com o diretor e retira suas músicas do filme. Parte de Paris para Los Angeles a fim de encontrar-se com Jobim. Muda-se de Copacabana para o Jardim Botânico, à rua Diamantina, 20. Começa a trabalhar no roteiro do filme "Garota de Ipanema", dirigido por Leon Hirszman. Volta ao show com Caymmi, na boate Zum-Zum.

No ano seguinte é lançado o livro Para uma menina com uma flor. São feitos documentários sobre o poeta pelas televisões americana, alemã, italiana e francesa. Seu "Samba da benção", em parceria com Baden Powell, é incluído, em versão do compositor e ator Pierre Barouh, no filme "Un homme... une femme", vencedor do Festival de Cannes do mesmo ano. Vinicius participa do juri desse festival.

Em 1967, sai a sexta edição de sua Antologia Poética e a segunda de Livro de Sonetos (aumentada). Faz parte do júri do Festival de Música Jovem, na Bahia. Ocorre a estréia do filme "Garota de Ipanema". É colocado à disposição do governo de Minas Gerais no sentido de estudar a realização anual de um Festival de Arte em Ouro Preto.

Falece sua mãe, em 25 de fevereiro de 1968. Aparece a primeira edição de sua Obra Poética. Seus poemas são traduzidos para o italiano por Ungaretti.

Em 1969, é exonerado do Itamaraty. Casa-se com Cristina Gurjão, com quem tem uma filha chamada Maria.

No ano seguinte, casa-se com a atriz baiana Gesse Gessy. Inicia parceria com o violonista Toquinho.

Em 1971, muda-se para Salvador, Bahia. Viaja pela Itália, numa espécie de auto-exílio. No ano seguinte, com Toquinho, lança naquele país o LP "Per vivere un grande amore".

A Pablo Neruda é lançado em 1973. Trabalha, no ano seguinte, no roteiro, não concretizado, do filme "Polichinelo". Participa de show com Toquinho e a cantora Maria Creuza, no Rio. Confirmando os boatos de que o governo o perseguia, excursiona pela Europa e grava dois discos na Itália com Toquinho, em 1975.

Em 1976, novo casamento, agora com Marta Rodrigues Santamaria. Escreve as letras de "Deus lhe pague", em parceria com Edu Lobo.

Participa de show na casa de espetáculos "Canecão", no Rio, com Tom Jobim, Toquinho e Miúcha. Grava um LP em Paris, com Toquinho, em 1977.

No ano seguinte, excursiona com Toquinho pela Europa. Casa-se com Gilda de Queirós Matoso.

Em 1979, participa de leitura de poemas no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP), a convite do líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva. Voltando de viagem à Europa, sofre um derrame cerebral no avião. Perdem-se, na ocasião, os originais de Roteiro lírico e sentimental da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

No dia 17 de abril de 1980, é operado para a instalação de um dreno cerebral. Morre, na manhã de 09 de julho, de edema pulmonar, em sua casa na Gávea, em companhia de Toquinho e de sua última mulher. Extraviam-se os originais de seu livro O deve e o haver.

Lançado postumamente, no Livro de Letras, publicado em 1991, estão mais de 300 letras de músicas de autoria de Vinícius, com melodias suas e de um sem número de compositores, ou parceirinhos, como carinhosamente os chamava.

Em 1992, é lançado um livro que hibernou anos junto ao poeta: Roteiro Lírico e Sentimental da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, onde Nasceu, Vive em Trânsito e Morre de Amor o Poeta Vinicius de Moraes.

No ano seguinte, uma coletânea de poesias é publicada no livro As Coisas do Alto - Poemas de Formação, mostrando a processo de formação do poeta, que é uma descida do topo metafísico à solidez do cotidiano.

Em 1996, é lançado livro de bolso com o título Soneto de Fidelidade e outros poemas, a preços populares. Essa publicação fica diversas semanas na lista dos mais vendidos, o que vem mostrar que mesmo após 16 anos de seu desaparecimento, sua poesia continuava viva entre nós.

Em 2001, a industria de perfumes Avon lança a "Coleção Mulher e Poesia - por Vinicius de Moraes", com as fragrâncias "Onde anda você", "Coisa mais linda", "Morena flor" e "Soneto de fidelidade".

Inconstante no amor (seus biógrafos dizem que teve, oficialmente, 09 mulheres), um dia foi questionado pelo parceiro Tom Jobim: "Afinal, poetinha, quantas vezes você vai se casar?".

Num improviso de sabedoria, Vinicius respondeu: "Quantas forem necessárias."

No dia 08/09/2006, é homenageado pelo governo brasileiro com sua reintegração post mortem aos quadros do Ministério das Relações Exteriores, ocasião em que foi inaugurado o "Espaço Vinicius de Moraes" no Palácio do Itamaraty - Rio de Janeiro (RJ).

BIBLIOGRAFIA

Do Autor:
Poesia/Prosa:

  • O Caminho para a Distância, 1933 - Schmidt Ed, Rio (recolhida pelo autor)
  • Ariana, a Mulher, 1936 - Pongetti - Rio
  • Forma e Exegese, 1935 - Pongetti - Rio (Prêmio Felippe d'Oliveira)
  • Novos Poemas, 1938 - José Olympio - Rio
  • Cinco Elegias, 1943 - Pongetti - Rio (ed.feita a pedido de Manuel Bandeira, Aníbal Machado e Octávio de Farias)
  • 10 poemas em manuscrito - 1945, Condé (edição ilustrada de 150 exemplares)
  • Poemas, Sonetos e Baladas, 1946 - Ed. Gávea - São Paulo (ilustrações de Carlos Leão)
  • Pátria Minha, 1949 - O Livro Inconsútil - Barcelona (ed.feita por João Cabral de Melo Neto em sua prensa manual)
  • Orfeu da Conceição, 1956 - Editora do Autor - Rio (ilustrações de Carlos Scliar)
  • Livro de Sonetos, 1957 - Livros de Portugal - Rio
  • Novos Poemas (II), 1959 - Livraria São José - Rio.
  • Orfeu da Conceição, 1960 - Livraria São José - Rio (edição popular)
  • Para Viver um Grande Amor, 1962 - Ed. do Autor - Rio
  • Cordélia e o Peregrino, 1965 - Ed.do Serviço de Documentação do M. da Educação e Cultura - Brasília
  • Para uma Menina com uma Flor, 1966 - Ed. do Autor - Rio
  • Orfeu da Conceição, 1967 - Editora Dois Amigos - Rio (com ilustrações de Carlos Scliar)
  • O Mergulhador, 1968 - Atelier de Arte - Rio (fotos de Pedro de Moraes, filho do autor. Tiragem limitada a 2.000 exemplares, sendo 50 numerados em algarismos romanos de I a L e assinados pelos autores, comportando um manuscrito original e inédito de Vinícius de Moraes;450 exemplares numerados em algarismos arábicos e 51 a 500 e assinados pelos autores; e,finalmente, 1.500 exemplares numerados de 501 a 2.000)

  • História natural de Pablo Neruda, 1974 - Ed.Macunaíma - Salvador.
  • O falso mendigo, poemas de Vinicius de Moraes - 1978, Ed. Fontana - Rio
  • Vinicius de Moraes - Poemas de muito amor, 1982 - José Olympio, Rio (ilustrações de Carlos Leão)
  • A arca de Noé - 1991, Cia. das Letras - São Paulo
  • Livro de Letras, 1991, Cia. das Letras - São Paulo
  • Roteiro lírico e sentimental da Cidade do Rio de Janeiro e outros lugares por onde passou e se encantou o poeta, 1992 - Cia. das Letras - São Paulo
  • As Coisas do Alto - Poemas de Formação, 1993 - Cia. das Letras - São Paulo
  • Jardim Noturno - Poemas Inéditos, 1993 - Cia. das Letras - São Paulo
  • Soneto de Fidelidade e outros Poemas, 1996 - Ediouro - Rio (ed. bolso)
  • Procura-se uma Rosa, Massao Ohno Ed. - São Paulo (peça de teatro em colaboração com Pedro Bloch e Gláucio Gil)
  • A Arca de Noé, Cia. das Letras - São Paulo
  • O Cinema de Meus Olhos, Cia. das Letras - São Paulo
  • Nossa Senhora de Paris, Ediouro - Rio
  • Teatro em Versos - 1995, Cia. das Letras - São Paulo
  • Rio de Janeiro (com Ferreira Gullar), Ed. Record - Rio (edições em alemão, francês, inglês, italiano e português).
  • Querido Poeta - Correspondências de Vinicius de Moraes (organização de Ruy Castro), Cia. das Letras, São Paulo, 2003.
  • Samba falado, Azougue Editorial, 2008.

Francês:

  • Cinc Elégies, 1953 - Ed. Seghers - Paris (trad. de Jean-Georges Rueff)
  • Recette de Femme et autres poèmes, 1960 - Ed. Seghers - Paris (escolha e tradução de Jean-Georges Rueff)

Italiano:

  • Orfeo Negro, 1961 - Nuova Academia Editrice - Milão (tradução de P. A. Jannini)

Antologias:

  • Antologia Poética, 1954 - Editora A Noite - Rio de Janeiro
  • Obra poética - Poesia Completa e Prosa, Editora Nova Aguillar, 1968

Teatro:

  • Procura-se uma rosa, 1962 (com Pedro Bloch e Gláucio Gil.)

Sobre o Autor:

  • O Poeta da Paixão, José Castello, 1994 - Cia. das Letras - São Paulo
  • Vinícius de Moraes - Uma Geografia Poética, José Castello, 1996 - Ed. Relume Dumará
  • Vinicius de Moraes - O múltiplo das paixões (biografia), coleção "Gente do Século", Editora Três, 1999.
  • Rio (coleção Perfis do Rio), Ed. Relume Duimará.
  • Vinícius de Moraes, Pedro Lyra, Editora Agir
  • Cancioneiro Vinicius de Moraes: Biografia e Obras escolhidas, Sergio Augusto, Jobim Music. (edição bilíngüe), 2007.

Discos de poesias:

  • Vinicius em Portugal, 1969, Fiesta, IG 79.034 - Rio
  •  Antologia Poética, 1977, Philips, 6641 708, Série de Luxo - 2 Long-Plays (com participação de Tom Jobim, Edu Lobo, Toquinho, Luis Roberto, Jorginho, Roberto Menescal e Francis Hime)

Homenagens:  
  • Ciclo Vinícius de Moraes - Meu Tempo é Quando, 05 de janeiro a 23 de fevereiro de 1990, Centro Cultural do Banco do Brasil - Rio de Janeiro


Dados compilados dos livros
"Vinicius de Moraes: O poeta da Paixão -
uma biografia", "Perfis do Rio", de José Castello,
e de "Obra Poética - Poesia Completa e Prosa",
Ed. Nov Aguillar - Rio, além dos constantes nos livros do autor
e informações obtidas na Internet.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos –
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos –
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai –
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte –
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Vinícius de Moraes

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Samba de Breque

Esta história é verdade.

Um tio meu vinha subindo a Rua Lopes Quintas, na Gávea -- era noite -- quando ouviu sons de cavaquinho provenientes de um dos muitos casebres que minha avó viúva permite nos seus terrenos. O cavaco cavucava em cima de um samba de breque e esse meu tio, compositor ele próprio, resolveu dar uma estirada até a casa, que era a de um conhecido seu, companheiro de música, um rapaz operário com mulher e uma penca de filhos. Tinha toda a intimidade com a família e às vezes ficava por lá horas inteiras com o amigo, cada qual palhetando no seu cavaquinho, puxando música madrugada adentro.

Nessa noite o ambiente era diverso. À luz mortiça da sala meu tio viu a família dolorosamente reunida em torno de uma pequena mesa mortuária, sobre a qual repousava o corpo de um "anjinho". Era o caçula da casa que tinha morrido, e meu tio, parado à porta, não teve outro jeito senão entrar, dar as condolências de praxe e reunir-se ao velório. O ambiente era de dor discreta -- tantos filhos! -- de modo que ao fim de poucos minutos resolveu partir. Tocou no braço da mulher e fez-lhe um sinal. Mas esta, saindo da sua perplexidade, pediu-lhe que entrasse para ver o amigo.

Foi encontrá-lo num miserável aposento interior, sentado num catre, o cavaquinho na mão.

-- Pois é, velhinho. Veja só... O meu caçula...

Meu tio bateu-lhe no ombro, consolando-o. A presença amiga trouxe para o pai uma pequena e doce crise de lágrimas de que ele muito se desculpou com ar machão:
-- Poxa, seu! Até pareço mulher! Não repara, hein companheiro...

Meu tio, com ar mais machão ainda, fez qual-que-bobagem, essa coisa. Depois o rapaz disse:
-- Tenho um negocinho para te mostrar...

E teve um gesto vago, apontando a sala onde estava o filho morto, como a significar qualquer coisa que meu tio não compreendeu bem.
-- Manda lá.

Conta meu tio que, depois de uma introdução dentro das regras, o rapaz entrou com um samba de breque que, cantado em voz respeitosamente baixa e ainda úmida de choro, dizia mais ou menos o seguinte:

Tava feliz
Tinha vindo do trabalho
E ainda tinha tomado
Uma privação de sentidos no boteco ao lado
Que bom que estava o carteado...
O dia ganho
E mais um extra pra família
Resolvi ir para casa
E gozar
A paz do lar
-- Não há maior maravilha!
Mal abro a porta
Dou com uma mesa na sala
A minha mulher sem fala
E no ambiente flores mil
E sobre a mesa
Todo vestido de anjinho
O Manduca meu filhinho
Tinha esticado o pernil.


Diz meu tio que, entre horrorizado e comovido com aquela ingênua e macabra celebração do filho morto, ouviu o amigo, a pipocar lágrimas dos olhos fixos no vácuo, rasgar o breque do samba em palhetadas duras:

— O meu filhinho
Já durinho
Geladinho!

Vinicius de Moraes (1913/1980) consegue juntar humor e tristeza no conto acima, extraído do livro "Para viver um grande amor", Livraria José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1980, pág. 165.

Paisagem

Subi a alta colina
Para encontrar a tarde
Entre os rios cativos
A sombra sepultava o silêncio.
Assim entrei no pensamento
Da morte minha amiga
Ao pé da grande montanha
Do outro lado do poente.
Como tudo nesse momento
Me pareceu plácido e sem memória
Foi quando de repente uma menina
De vermelho surgiu no vale correndo, correndo…

Vinícius de Moraes

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Ternura

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar
[ extático da aurora.

Vinicius de Moraes

Texto extraído da antologia "Vinicius de Moraes - Poesia completa e prosa", 
Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1998, pág. 259.

Ausência

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo
(da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
Rio de Janeiro, 1935

Vinícius de Moraes

terça-feira, 15 de outubro de 2013

A uma mulher

A uma mulher
Quando a madrugada entrou eu estendi o meu peito nu sobre o teu peito
Estavas trêmula e teu rosto pálido e tuas mãos frias
E a angústia do regresso morava já nos teus olhos.
Tive piedade do teu destino que era morrer no meu destino
Quis afastar por um segundo de ti o fardo da carne
Quis beijar-te num vago carinho agradecido.
Mas quando meus lábios tocaram teus lábios
Eu compreendi que a morte já estava no teu corpo
E que era preciso fugir para não perder o único instante
Em que foste realmente a ausência de sofrimento
Em que realmente foste a serenidade.
Rio de Janeiro, 1933

Vinícius de Moraes

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

O verbo no infinito

Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer,
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar

Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.

E crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito

E esquecer tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito...
Vinicius de Moraes

Vinícius de Moraes




Marcus Vinicius da Cruz de Mello Moraes, conhecido como Vinicius de Moraes nasceu em 19 de outubro de 1913, no Rio de Janeiro, com ascendência nobre e de dotes artísticos.
 


Com apenas 16 anos entrou para a Faculdade de Direito do Catete, onde se formou em 1933, ano no qual teve seu primeiro livro publicado “O caminho para a distância”. Durante o período de formação acadêmica firmou amizades com vínculos boêmios e desde então, viveu uma vida ligada à boemia.
Após alguns anos foi estudar Literatura Inglesa na Universidade de Oxford, no entanto, não chegou a se formar em razão do início da Segunda Guerra Mundial. Ao retornar ao Brasil, morou em São Paulo, onde fez amizade com Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade e também efetivou o primeiro de seus nove casamentos. Logo após algumas atuações como jornalista, cronista e crítico de cinema, ingressou na diplomacia em 1943. Por causa da carreira diplomática, Vinicius de Morais viajou para Espanha, Uruguai, França e Estados Unidos, contudo sem perder contato com o que acontecia na cultura do Brasil.
É um dos fundadores do movimento revolucionário na música brasileira, chamado de “Bossa Nova”, juntamente com Tom Jobim e João Gilberto. Com essa nova empreitada no mundo da música, Vinicius de Moraes abandonou a diplomacia e se tornou músico, compôs diversas letras e viajou através das excursões musicais. Durante esse período viveu intensamente os altos e baixos da vida boêmia, além de vários casamentos.
O início da obra de Vinicius de Moraes segue uma aliança com o Neo-Simbolismo, o qual traz uma renovação católica da década de 30, além de uma reformulação do lado espiritual humano. Vários poemas do autor enquadram-se nesta fase de temática bíblica. Porém, com o passar dos anos, as poesias foram focando um erotismo que passava a entrar em contradição com a sua formação religiosa. Após essa fase de dicotomia entre prazer da carne e princípios cristãos, infelicidade e felicidade, Vinicius de Moraes partiu para uma segunda fase poética: a temática social e a visão de amor do poeta.
Há diferenças na estrutura da primeira fase poética do escritor em relação à segunda: a mudança dos versos longos e melancólicos para uma linguagem mais objetiva e coloquial.

A Última Viagem

Então,quando fazia a barba, um verso me saltou à cabeça, cortante como a própria lâmina de barbear:
"Acordo para a morte"
Era o poema do Drummond: "Barbeio-me, visto-me, calço-me. É meu último dia"...
O voo estava marcado para as duas da tarde, e ainda eram onze da manhã. A verdade é que até então viajara sempre de avião com o mais leviano destemor.
Só que aquele era o meu dia
Fui para a cidade com o Otto. Acabei lhe confiando meu pressentimento:
- Você acha que esse avião vai cair?
Ele sabia de cor o poema. Como se não bastasse, a primeira pessoa com quem esbarramos, ali na Esplanada, foi o próprio poeta. Otto lhe expôs sem rodeios o meu problema:
Ele vai hoje para Belo Horizonte de avião e está com pressentimento de que o avião vai cair . Você, que entende dessas coisas,que é que acha? Vai cair?
O autor dos macabros versos passou a mão pelo rosto:
- Por que não vai de trem?
Nada me impediria de ir de trem - era o que eu pensava agora já caminhando para o foro, onde trabalhava, para despachar o expediente antes de morrer. Abandonara meus dois amigos numa esquina rindo-se à minha custa - eles ficariam em terra firme. Otto chegara mesmo a despedir-se de mim num comovido abraço, recomendando que desse lembranças a Jayme Ovalle. No momento nem me ocorreu que Jayme Ovalle, além de não morar em Belo Horizonte, já havia morrido. Meu coração palpitava de aflição, antecipando a terrível sensação de queda. Ou não sentiria nada? Se fosse de trem, evidentemente não.
Mas eu não iria desistir do avião e tomar um trem só por conta de um pressentimento idiota.
E a lembrança dos tais versos admiráveis (para quem anda com os pés no chão), sempre me perseguindo. Antes de chegar à Rua Dom Manuel eu já formulava uma prece desconexa: que Deus me desse apenas alguma espécie de sinal.
E lá ia eu meio apatetado atravessando a rua, imerso na minha dúvida, quando uma buzina estridente me apanha pelo ouvido levando pânico à minha alma, mal tive tempo de dar um pulo para trás.
Aturdido, olhei para o caminhão que já se afastava em disparada, e vi.
Vi que ele transportava um imenso motor de avião, todo chamuscado, sujo de terra, a hélice retorcida.
Que é que eu queria mais? Só um cego poderia esperar dos céus sinal mais evidente. No entanto, já instalado à minha mesa, eu via a hora da partida do avião aproximar-se e ainda não havia decidido o meu destino em favor do trem. Minha mão tremia ao assinar a papelada, mal conseguia segurar a caneta. pois então é verdade - e o suor me escorria pela testa: acordara mesmo para a morte. O poeta tinha razão. O coração parecia querer sair pela boca: não, eu não desistiria. Que seria de mim dali por diante, sujeito a obedecer a qualquer premonição cretina que me passasse pela cabeça? E já me via no trem, pedindo a Deus um sinal de que não haveria nenhum descarrilamento.
Depois de deixar num envelope, dentro da gaveta, as minhas últimas recomendações, despedi-me do escrevente com um olhar de condenado. Já no aeroporto, enquanto aguardava a convocação de embarque desta para melhor, acendi meu último cigarro.Entrei no avião depois do último olhar de despedida para a baía de Guanabara, o Pão de Açúcar, a Cidade Maravilhosa, o mundo maravilhoso.
Não sei se morri. Sei que foi uma viagem também maravilhosa.

Fernando Sabino
(In: Deixa o Alfredo falar! Ed.Record 1977)

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Poema em Linha Reta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa)

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

The Gentleman of Shalott / O Cavalheiro de Shalott


Which eye’s his eye?
Which limb lies
next the mirror?
For neither is clearer
nor a different color
than the other,
nor meets a stranger
in this arrangement
of leg and leg and
arm and so on.
To his mind
it’s the indication
of a mirrored reflection
somewhere along the line
of what we call the spine.
He felt in modesty
his person was
half looking-glass,
for why should he
be doubled?
The glass must stretch
down his middle,
or rather down the edge.
But he’s in doubt
as to which side’s in or out
of the mirror.
There’s little margin for error,
but there’s no proof, either.
And if half his head’s reflected,
thought, he thinks, might be affected.
But he’s resigned
to such economical design.
If the glass slips
he’s in a fix —
only one leg etc. But
while it stays put
he can walk and run
and his hands can clasp one
another. The uncertainty
he says he
finds exhilarating. He loves
that sense of constant re-adjustment.
He wishes to be quoted as saying at present:
“Half is enough.”

Qual olho é o dele?
Qual membro é real
e qual está no espelho?
A cor é igual
à esquerda e à direita,
e ninguém suspeita
que esta ou aquela
perna, ou braço, seja
verdade ou impostura
nessa estranha estrutura.
A seu ver,
isso é prova garantida
de uma imagem refletida
ao longo desta linha
que chamamos de espinha.
Modesto, sentia
que sua pessoa
era metade espelho:
pois duplicar-se seria
um total destrambelho.
O vidro se prolonga
por sua mediana,
ou melhor, sua borda.
Mas ele não sabe direito
o que está dentro ou fora
da imagem refletida.
Não há muita margem de erro,
mas provar é impossível.
E se meio cérebro é reflexo
seu pensamento terá nexo?
Mas ele aceita sem problema
a parcimônia do esquema.
Se o espelho escorregar
vai ser de amargar —
só uma perna etc. Mas por ora
está apoiado na escora,
e ele anda e corre e pega a mão
com a outra. A sensação
de incerteza o deixa feliz,
ele diz.
Afirma também que gosta
de estar sempre a se reajustar.
No momento, eis o que tem a declarar:
“Metade basta.”

Elizabet Bishop

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Ufologia íntima

o disco voador
só comprova sua existência
quando some
diante de nossos olhos estupefatos
maravilhados
surpresos

sem fumaça
sem som
apenas um movimento
e então
a falta dele