quarta-feira, 24 de junho de 2015

Tabacaria (por Antonio Abujamra)





Não sou nada.

Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
Àparte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas-
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que fôr, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

Álvaro de Campos, 15/01/1928
(um dos heterónimos de Fernando Pessoa)
[Presença, Coimbra, Julho 1933]


quinta-feira, 23 de abril de 2015

Canção de Outono











O outono toca realejo
No pátio da minha vida.
Velha canção, sempre a mesma,
Sob a vidraça descida…

Tristeza? Encanto? Desejo?
Como é possível sabê-lo?
Um gozo incerto e dorido
De carícia a contrapelo…

Partir, ó alma, que dizes?
Colher as horas, em suma…
Mas os caminhos do Outono
Vão dar em parte nenhuma!



Mario Quintana
(Poema publicado originalmente no livro Canções,
retirado de Poesia Completa – Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005, p. 131)

segunda-feira, 16 de março de 2015

Coldplay - Magic (Official video)






domingo, 8 de março de 2015

Poema para todas as mulheres

No teu branco seio eu choro.
Minhas lágrimas descem pelo teu ventre
E se embebedam do perfume do teu sexo.
Mulher, que máquina és, que só me tens desesperado
Confuso, criança para te conter!
Oh, não feches os teus braços sobre a minha tristeza não!
Ah, não abandones a tua boca à minha inocência, não!
Homem sou belo
Macho sou forte, poeta sou altíssimo
E só a pureza me ama e ela é em mim uma cidade e tem mil e uma portas.
Ai! teus cabelos recendem à flor da murta
Melhor seria morrer ou ver-te morta
E nunca, nunca poder te tocar!
Mas, fauno, sinto o vento do mar roçar-me os braços
Anjo, sinto o calor do vento nas espumas
Passarinho, sinto o ninho nos teus pêlos...
Correi, correi, ó lágrimas saudosas
Afogai-me, tirai-me deste tempo



Levai-me para o campo das estrelas
Entregai-me depressa à lua cheia
Dai-me o poder vagaroso do soneto, dai-me a iluminação das odes, dai-me o [cântico dos cânticos
Que eu não posso mais, ai!
Que esta mulher me devora!
Que eu quero fugir, quero a minha mãezinha quero o colo de Nossa Senhora!


Vinicius de Moraes

Poema extraído do livro "Vinicius de Moraes 
Poesia completa e Prosa", Editora Nova Aguillar
Rio de Janeiro, 1998, pág. 262.


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quinta-feira, 5 de março de 2015

Ellie Goulding - Love Me Like You Do (Official Video)



domingo, 8 de fevereiro de 2015

Cândido Portinari - Descobrimento do Brasil, 1956


Descobrimento do Brasil, 1956
Cândido Portinari (Brasil, 1903-1962)
Óleo sobre tela, 199 x 169 cm
Banco Central do Brasil,
Distrito Federal

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Cândido Portinari - Chorinho, 1942


Chorinho, 1942
Cândido Portinari (Brasil 1903 – 1962)
têmpera sobre tela, 225 x 300 cm
Museu de Arte Moderna de Lisboa, Portugal

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Há 53 anos, falecia o pintor Cândido Portinari

Cândido Portinari (Brodowski, São Paulo, 29/12/1903 – Rio de Janeiro, 06/02/1962) foi o artista plástico brasileiro mais internacional que existiu no Brasil, seu acervo consta de quase cinco mil obras. “O lavrador de café” (1939), uma das suas obras mais conhecidas, foi roubada do Museu de Arte de São Paulo em 2007, mas foi recuperada 19 dias depois, estava na cidade de Ferraz de Vasconcelos e foi devolvida ao museu.
la
“O lavrador de café” (1939)
Obras- de- arte são poesias visuais carregadas de significados e que podem ser interpretadas de várias maneiras; poesia também é imagem. Os versos podem nos transportar às imagens e paisagens; portanto, poesia é imagem e imagem é poesia. Literatura e as Artes Plásticas andam de mãos- dadas. Veja essa magnífica obra que foi encomendada à Portinari pelo governo brasileiro para presentear a ONU (Organização das Nações Unidas). Os dois painéis que medem 14 metros de altura por 10 metros de largura e pesam mais de 1 tonelada, ficaram expostos na ONU durante 54 anos e depois voltaram ao Brasil para serem restaurados, graças ao filho de Portinari, João. As imagens, de um lado a guerra triste, desesperada e do outro uma cena de paz, festa, alegria, em ambas há gritos, mãos levantadas, movimento, as cores e os corpos expressando pena ou glória:

Cândido_Portinari,_Antônio_Bento,_Mário_de_Andrade_e_Rodrigo_Melo_Franco_1936
Literatura e arte andam lado a lado. 
Da esquerda para a direita: 
Cândido Portinari, Antônio Bento, Mário de Andrade 
e Rodrigo Melo Franco. Rio de Janeiro, 1936.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Cândido Portinari - Presépio, 1931

Presépio, 1931
Cândido Portinari (Brasil 1903-1962)
Desenho a aquarela e nanquim 
sobre papel 36 x 57 cm
Coleção Particular

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Cândido Portinari - Primeira Missa no Brasil, 1948

Primeira Missa no Brasil, 1948
Cândido Portinari (Brasil 1903- 1962)
Têmpera sobre tela, 266 x 598 cm
Coleção Particular

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Cândido Portinari - Menino com Pássaro, 1957


Menino com Pássaro, 1957
Cândido Portinari ( Brasil 1903-1962)
óleo sobre tela, 65 x 53 cm

Coleção Particular

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Cândido Portinari - Paisagem de Brodowski, s/d

Paisagem de Brodowski, s/d
Cândido Portinari ( Brasil, 1903-1962)
óleo sobre madeira
Coleção Particular

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Cândido Portinari - Paisagem com bananeiras, 1927

Paisagem com bananeiras, 1927
Cândido Portinari ( Brasil 1903-1962)
óleo sobre madeira, 22 x 27 cm
Coleção Particular

domingo, 25 de janeiro de 2015

São Paulo - 461 Anos

Fonte - Parque Ibirapuera

Estação da Luz - Museu da Lingua Portuguesa

Praça da República - Coreto

Av. Paulista sentido Consolação










Teatro Municipal

 Av. Paulista

Av. Ipiranga - Edifício Copan - Edifício Itália

 Catedral da Sé
Museu da Lingua Portuguesa


 MASP - Museu de São Paulo - Av. Paulista

Ponte Estaiada - Otávio Frias


Teatro Municipal













sábado, 24 de janeiro de 2015

São Paulo Antigo




Praça Ramos de Azevedo
Teatro Municipal
  
Vale do Anhangabaú - Viaduto do Chá













Mosteiro de São Bento
Catedral da Sé
Mercado Municipal Central
Avenida 9 de Julho
Av. Paulista sentido Consolação