quinta-feira, 31 de maio de 2012

Futuros Amantes

Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios no ar

E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos

Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização

Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você


                                                                     Chico Buarque 

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Benvinda

Dono do abandono e da tristeza
Comunico oficialmente que há um lugar na minha mesa
Pode ser que você venha por mero favor,
ou venha coberta de amor
Seja lá como for, venha sorrindo
Ah, benvinda, benvinda, benvinda
Que o luar está chamando,
que os jardins estão florindo
Que eu estou sozinho
Cheio de anseio e de esperança,
comunico a toda gente
Que há lugar na minha dança
Pode ser que você venha morar por aqui,
ou venha pra se despedir
Não faz mal pode vir até mentindo
Ah, benvinda, benvinda, benvinda
Que o meu pinho está chorando,
que o meu samba está pedindo
Que eu estou sozinho
Vem iluminar meu quarto escuro,
vem entrando com o ar puro
Todo novo da manhã
Oh vem a minha estrela madrugada,
vem a minha namorada
Vem amada, vem urgente, vem irmã
Benvinda, benvinda, benvinda
Que essa aurora está custando,
que a cidade está dormindo
Que eu estou sozinho
Certo de estar perto da alegria,
comunico finalmente
Que há lugar na poesia
Pode ser que você tenha um carinho para dar,
ou venha pra se consolar
Mesmo assim pode entrar que é tempo ainda
Ah, benvinda, benvinda, benvinda
Ah, que bom que você veio,
e você chegou tão linda
Eu não cantei em vão
Benvinda, benvinda, benvinda. benvinda, benvinda


                                                                                Chico Buarque

terça-feira, 29 de maio de 2012

Matutando o que é você






















Em meu quarto eu estava tão demente
Numa tarde sem ter o que fazer
Em você eu pensei tão docemente
E sobre o que eu queria te dizer
Sobre como eu, matuto, poderia
Declarar de uma vez o que eu sentia
Dei por mim: só faltava o que e o quando
Pois o como seria versejando
Um rimar matutando o que é você
Você é caminhão de tripa assada
Com mais duas carretas de farinha
Você é acordar de manhãzinha
Escutando o cantar da passarada
Você é o amor de madrugada
Provocando a insônia dos amantes
Você é o fervor dos viajantes
A buscar o abraço da chegada
Você é comer queijo e mel de engenho
Sob a fresca sombrura do umbuzeiro
Você é projeção mental do cheiro
Da lembrança mais bela que eu tenho
Você é a alegria em cor brejeira
Morenando demais meus pensamentos
Você é a tristeza em meus lamentos
Como um pátio vazio ao fim da feira
Você é sussurrar bem de mansinho
Num ouvido palavras de amor
Você é o cantar do aboiador
Indicando à boiada o caminho
Você é meu calor no inverno frio
Chuvarada na terra esturricada
Saparia cantando na invernada
De paixão é sentir o arrepio
Você é querer bem de bem querente
Cafungado fungado no cangote
Você é a razão desse meu mote
És de mim tão igual e diferente
Você é a lapada com caldinho
Que eu tomo pensando em você
É paixão que acalento sem querer
Pois não queres seguir o meu caminho
Você é tudo aquilo que eu diria
E não disse talvez por esquecer
Você é meu espelho em outro ser
Espelhando de bom o que eu queria
Você é histeria e é prazer
Ao se ver à primeira vez o mar
Sua luz me inspira a rimar
Um rimar matutando o que é você.

                                                                      Cesar Feitoza 

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Para Giovanna

A Giovanna fez um ano.
Meu Deus, um ano!
Tempo curto,
Existência que engatinha.
Dizem que Giovanna significa "Deus é cheio de bênção".
Dizem...
Linda, abusada, rápida e graciosa.
Olhos brilhantes que descortinam o mundo devagarzinho.
Nada escapa.
Tão pequena, tão frágil, tão dona de si.
Tudo nela a denuncia:
As feições de princesa altiva da mãe,
A força apaixonada do pai,
O jeito de flor da tia,
O entusiasmo amoroso do padrinho,
A beleza discreta da madrinha
E o sorriso maroto do avô.
Está tudo ali estampado no rosto da menina
Que brinca e se assusta com a boneca em forma de bruxa.
É claro que será feliz,
Será pessoa de bem.
Mas o que eu desejo de verdade,
Se me permitem,
É que ela seja consistente e doce como mel,
Que seja corajosa, forte, audaciosa, vaidosa,
Às vezes dura e, por isso mesmo, livre como a avó paterna.
Que seja mulher de verdade, como diz a música.
Se mel Giovanna for, a vida lhe sorrirá todos os dias.
Saudemos Giovanna e todo o seu séquito!
Se não formos tão felizes, ela será por nós.
Axé, Giovanna, axé!!!
 

                                                                                             Carlos Villarruel (24 de janeiro de 2012)

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Pretinha

Pretinha, menina feliz

Que me sorri

Que conversa comigo

Que ouve meus ais

Que brinca comigo

Capuchetas no ar

Pula-carniça, amarelinha,

Bolinhas de gude, esconde-esconde

Passa anel, jogo das pedrinhas

Tá quente, tá frio



Pretinha, menina feliz


Que canta comigo

Que me torna menino

Que me lembra que sou homem grande

Que me enche de esperança

Que me faz acreditar nos contos de fada

Em Papai Noel

No coelhinho da Páscoa

No amor entre os homens

Que me diz todos os dias

Com o seu bocão sorridente

Que Deus nos protege sempre

Apesar dos nossos vacilos



Pretinha, menina retinta


Que senta comigo na varanda

Para ver os balões coloridos

Que abrem caminho no céu

"Num pode soltá balão, é perigoso", diz pretinha

Tão cautelosa é pretinha

Ela cuida de mim, dos meus sonhos

Das minhas esperanças

"Ah, pretinha, na vida tem tanta coisa perigosa, né?"

"Isso é verdade..."

Pretinha menina retinta é feliz

E gosta de mim

Somos tão felizes...

"Tá na hora de dormir, pretinha"

"É, mas antes precisamos rezar"



Pretinha menina retinta feliz


Eu e pretinha... Assim

                                                                   Carlos Villarruel
(13.2.2012)

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Morrer para dormir

                                                                                                                            Pra Marcelo Fromer

Ah! Essa dor lancinante

Essa "coisa" que atordoa a alma

E nos desconcerta

Mas que acalenta

Como uma singela canção de ninar.



Ah! Esses nossos sonhos


Que vão e se perdem pelo infinito

No horizonte inexorável

Daquilo que chamamos existência.



Ah! Os livros que não leremos


Os discos que jamais ouviremos

As bocas que esperarão inutilmente nosso beijo mais apaixonado

Perdemo-nos nas lembranças

Em falsas fotografias

Num intricado jogo de desejos vãos.



Ah! Falar e ocultar nossos amores


(Como era bom contê-los! Tão platônicos!)

Irresistíveis amores

Com suas dores exatas

Nossas perdas inevitáveis

Imponderáveis ilusões.



Ah! Como tudo dói


Profundamente

Num abismo

Num resumo patético de nossa vida

Dói porque é assim

Nada se pode fazer

Há uma resignação, finalmente.



Ah! Como é assustadoramente lógico


Como é tão indignamente racional

Dói

Numa sofreguidão sem fim

Na constatação "irracional"

De que é "só" isso

Mais nada.



Refugiamo-nos nas lembranças


Em sonhos à toa

Em recordações sem música

Sem volta

Na impossibilidade do reparo

Sem a chance para o arrependimento

Sem poder acordar

Como um vazio que fica

E que sempre esteve ali e aqui.



Ah! Como tudo é como é


Tão assim

Tão nada

Tão simplesmente porque é

Tão claro

Insuportavelmente óbvio.



Ah! O que nos resta então?


Talvez Chet Baker

Murmurando

Na dor intrínseca

Na ferida escancarada

Na saudade doída

Somewhere over the rainbow...



Ah! Quem sabe...




                                                         Carlos Villarruel (escrito em 13.6.2001; revisto em 20.11.2011)

terça-feira, 8 de maio de 2012

Destino

Dito, escrito, irreversível!



Timão que conduz a vida,


Que guia o olhar para o horizonte.

Aurora e turbilhão,

Medo e esperança,

Saudade e morte,

Certezas e solidão.



Dito, escrito, irreversível!




Madrugada embriagada,


Olhar inocente,

Carne que pulsa e apodrece,

Insanos e contidos desejos,

Sorte e sangue.



Dito, escrito, irreversível!




Paixão lancinante,


Amor quietinho,

Braços febris,

Acenos ligeiros,

Solitude inexorável.



Dito, escrito, irreversível!




Começo, meio e ponto final,


Luzes acesas,

Cortinas cerradas,

Imagens mudas,

Reflexo feliz.



Assim, sem tirar nem pôr:


Dito, escrito, irreversível!

                                                                                                         Carlos Villarruel (6.5.2012)