segunda-feira, 25 de março de 2013

a cigarra disse: psi or not psi?


quero mais noites à toa
mais tempo para saborear a sobra do tempo
ruminar versos sobre as belezas da vida
meditar, respirar, inventar
cuidar melhor dos próximos
e das partidas

não me exigir impossíveis...


eu, amigo de mim mesmo
sossego a inquietude com essa noite
cheia de agora

ah, a glória
de haver bons encontros
(que levarei comigo)
de gente aberta nesse mundo fechado
cheio de muros, murros e normas da ABNT 



domingo, 3 de março de 2013

Tempos Malucos, Modos Esquisitos


O futuro preocupou-se.
O presente aproveita.
O passado às vezes tenta retornar.
Apenas o presente segue uma lógica.
Futuro e passado querem estar no presente.
O presente tenta seguir pelo futuro, mas no presente.
O futuro passa pelo presente em preocupação.
O passado anda no agora pela recordação.
Pretérito-mais-que perfeito mais que acabado.


Pretérito imperfeito sequer ocorrido.
Pretérito perfeito, não digo satisfeito, mas sabe que é finito.
Futuro do presente pretensão possível.
Futuro do pretérito – sonho que, ao nascido, foi abafado, rejeitado e suprimido.
Apenas o presente é apenas presente e sabe o seu lugar.
Mas também não é de ferro, os demais tempos tentam confundi-lo.
De outra tribo, pessoas singulares e plurais observam com desejo.
Desejo de estarem no tempo certo, com o verbo e modo certo.
A incerteza produz ambiguidades que só o contexto irá esclarecer.

Viviane Régio Argemi

sábado, 2 de março de 2013

Meu Sonho






Eu
Cavaleiro das armas escuras,
Onde vais pelas trevas impuras
Com a espada sangüenta na mão?
Por que brilham teus olhos ardentes
E gemidos nos lábios frementes
Vertem fogo do teu coração?

Cavaleiro, quem és? o remorso?
Do corcel te debruças no dorso.
E galopas do vale através.
Oh! da estrada acordando as poeiras
Não escutas gritar as caveiras
E morder-te o fantasma nos pés?

Onde vais pelas trevas impuras,
Cavaleiro das armas escuras,
Macilento qual morto na tumba?.
Tu escutas. Na longa montanha
Um tropel teu galope acompanha?
E um clamor de vingança retumba?

Cavaleiro, quem és? – que mistério,
Quem te força da morte no império
Pela noite assombrada a vagar?

O Fantasma
Sou o sonho da tua esperança,
Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há de matar!.


Álvares de Azevedo

sexta-feira, 1 de março de 2013

O pássaro da sorte

 

Trata-se do uirapuru, pássaro encantado da sorte e que tem como moradia as ricas florestas da Amazônia.
A história é um pouco triste. Mas o canto dessa ave é tão plangente e mavioso que vale a pena contar.
Começa com um índio tocando flauta na selva. E as índias jovens ouviam-no. Daí para procurar ver quem era o guapo índio que a tocava foi um só passo.
O segundo passo foi encontrar o músico e cair para trás com uma bruta decepção. Elas, tolinhas, achavam que coisa bonita só pode vir de gente bonita. E caprichosas, malcriadas, empurraram o índio feio para fora da clareira. Humilhado, ele então fugiu.
Na mesma hora as índias ouviram uma outra flauta tocada com delicadeza e doçura. E pensaram com esperança que talvez o tocador dessa nova flauta fosse um índio bonito. Seguiram pelas sendas da floresta, guiadas pelo cântico que cada vez parecia mais próximo. E não é que depararam, não com um índio, mas com um passarinho pousado num galho de árvore frondosa? Era o pássaro uirapuru. Uma das índias, a mais formosa e esguia, era também a melhor caçadora. E, como as outras, quis ferir o pássaro para que ele não fugisse e só cantasse para ela. Com arco e flecha, preparou-se. E, é claro, a ave caiu do galho.
Agora vem uma surpresa, tanto para as índias como para nós: uma vez por terra, o pássaro transformou-se num rapaz belíssimo.
Este índio, com um sorriso manso, dirigiu-se para a sua caçadora, enquanto todas as outras índias rezavam pela sua atenção e amor.
Estava tudo bem. Mas a primeira flauta começou a soar novamente: era a do índio feio.
As moças sabiam que ele queria se vingar dos maus tratos e procuraram rodear o índio bonito para escondê-lo. Mas o indio feio mandou rápido sua flecha, em direção do peito varonil do rival, só para assustá-lo.

E não é que aconteceu um encantamento milagroso?
Aconteceu, sim: o rapaz bonito se transformou num pássaro invisível, mas presente pelo seu canto. E as índias passaram, mesmo sem ver, a ouvir o trinado feliz.
Como é que se espalhou que o uirapuru dá sorte?
Ah, isso não sei, mas que dá, dá!


Clarice Lispector
(Doze Lendas Brasileiras)Editora Nova Fronteira