terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Canção





















 
 Mulata, s/d
Di Cavalcanti (Brasil, 1897-1976)
Óleo sobre tela.

 

CANÇÃO 

                               Gonçalves Crespo

                                                            A Bernardino Machado


                              I
Mostraram-me um dia na roça dançando
Mestiça formosa de olhar azougado,
Co’um lenço de cores nos seios cruzado,
Nos lobos de orelha pingentes de prata.
               Que viva mulata!
                Por ela o feitor
Diziam que andava perdido de amor.


                             II
De entorno dez léguas da vasta fazenda
A vê-la corriam gentis amadores,
E aos ditos galantes de finos amores,
Abrindo seus lábios de viva escarlata,
                 Sorria a mulata,
                 Por quem o feitor
Nutria quimeras e sonhos de amor.


                           III
Um pobre mascate, que em noites de lua
Cantava modinhas, lunduns magoados,
Amando a faceira dos olhos rasgados,
Ousou confessar-lhe com voz timorata…
                 Amaste-o, mulata!
                 E o triste feitor
Chorava na sombra perdido de amor.


                           IV
Um  dia encontraram na escura senzala
O catre da bela mucamba vazio;
Embalde recortam pirogas o rio,
Embalde a procuram nas sombras da mata.
                 Fugira a mulata,
                 Por quem o feitor
Se foi definhando, perdido de amor.  




Em: Obras Completas, Gonçalves Crespo, Livros de Portugal, s/d, Rio de Janeiro.

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