Lendo no bosque, Ferdinand Heilbuth ( França, 1828-1889) - aquarela sobre papel com detalhes em guache, 24 x 33cm |
Ai, por Deus, por vida minha!
Gosto de ti — gosto tanto
Dessa tua travessura
Que não dera o meu encanto,
Que não dera o meu gostar,
Nem por estrelas do céu,
Nem por estrelas do mar!
-
Alma toda de quimeras
Que acordou no paraíso
Vinda do leito de Deus;
E que rivais de teus olhos
Só tens dois olhoos — os teus!
Pareces mesmo criança
Que só vive e se alimenta
De luz, amor e esperança.
Ave sem medo à tormenta
Que salta e palpita e ri;
Não sabes como, não sabes,
As travessas primaveras
Assentam tão bem em ti!
-
Assentam sim, como as asas
Assentam no beija-flor;
Como o delírio dos beijos
Em uma noite de amor;
Como no véu que se agita
De beleza adormecida
A brisa mole e sentida!
-
Foi por ver-te assim — travessa
Que eu pus a minha esperança
No imaginar de criança
Dessa formosa cabeça…
Foi por ver-te assim. — Que os sonhos
Eu sei como os tem, eu sei,
Puros, lindos e risonhos,
Um coração novo e calmo
Onde a lei do amor — é lei;
Foi por ver-te assim, que eu venho
por em ti as fantasias
De meus peregrinos dias,
Como a esperança no céu;
Em ti só, que és tão louquinha,
Em ti só por vida minha!
(1859) Machado de Assis
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