Nos dois casos o que se propõe é um retrocesso, a suspensão de conquistas da civilização para enfrentar exigências extremas: no caso americano o combate exemplar ao terrorismo, que não comportaria filigranas jurídicas, no nosso caso a evidência de que cada vez mais crimes são cometidos por menores, inimputáveis segundo a legislação.
A conclusão nos dois casos é que o processo civilizatório que priorizou a proteção dos direitos de todos, inclusive de criminosos, foi uma conquista da retórica dos bons sentimentos, impraticável diante da crua realidade.
Os casos extremos testam a possibilidade de a razão e a ponderação conviverem com o embrutecimento geral da espécie, e para enfrentá-los retrocedemos ao tempo em que não havia proteção alguma contra a prepotência do Estado ou o erro da Justiça. Quando não retrocedemos ao tempo da reciprocidade bíblica, do olho por olho, de uma atrocidade vingando outra. E o verniz da civilização se espedaça.
Nos Estados Unidos, pelo menos em teoria (ou no cinema) todo preso tem direito de saber seus direitos na hora da prisão: de manter-se em silêncio, de não se incriminar e de ter um advogado. Principalmente depois dos atentados de 11/9, quando o Bush declarou guerra ao terrorismo mundial, os Estados Unidos têm enfrentado o dilema de serem — na sua própria avaliação — a única nação moral do mundo, obrigada a recorrer a todos os meios para se defender do terror, inclusive a oficialização mal disfarçada da tortura.
Os presos sem direitos em Guantánamo são um embaraço permanente para os americanos e tornam hipócrita a condenação dos presos políticos em Cuba. O que fazer para satisfazer a revolta nacional com o ataque covarde em Boston é outro desafio moral para a Justiça americana. Parece que escolheram processar o prisioneiro como cidadão do país. Ponto para a civilização, ou o que resta dela.
No Brasil a questão da maioridade penal ainda está para ser decidida. Talvez o verniz ainda resista mais um pouco.
Texto de Luis Fernando Verissimo,
originalmente publicado no jornal O Globo em 25/04/2013.
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