A metáfora não é clara. Razão x instinto? Cultura x natureza? Civilização x força bruta?
Ou — como li em algum lugar — tudo não passa de um ritual de sedução, com o Homem subjugando a Mulher, a Besta Primeva e todos os seus terrores, numa espécie de tango sangrento em que não falta uma penetração no fim?
Ou o toureiro gracioso é a mulher estilizada e o touro resfolgante uma paródia de homem? Enfim, seja o que for que se decide numa arena de touros, os espanhóis terminam o ritual, os portugueses deixam pra lá.
Na Argentina, os líderes militares da época da repressão foram processados e as atrocidades cometidas pela ditadura punidas, ou pelo menos amplamente discutidas. No Chile, aos poucos a história ainda mal contada do governo Pinochet se incorpora à história oficial do país — para ser reconhecida e expiada, para que reconciliação não signifique absolvição e para que nunca mais se repita.
No Brasil, a repressão foi menos assassina do que na Argentina e no Chile — se é que se pode falar em graduações de barbaridade — e ninguém ainda teve que dar muitas explicações. No caso, a simpática irresolução portuguesa desserve a História. Pois, se o touro continua vivo, o que há para expiar? Aqui, até agora, venceu o deixa-pra-lá-ismo.
Já que temos que ser ibéricos, o que é melhor, ser português ou espanhol?
Os espanhóis parecem viver mais perto do coração selvagem da vida. Os portugueses preferem menos drama e menos sangue.
Voltando ao touro: uma tourada espanhola sempre acaba com o animal morto, com uma resolução. Uma tourada portuguesa pode ser um espetáculo emocionante, mas o touro sobrevive e nada se resolve. E ainda se discute se convém irritar o touro.
Texto de Luis Fernando Verissimo,
originalmente publicado no jornal O Globo em 02/06/2013
originalmente publicado no jornal O Globo em 02/06/2013
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