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domingo, 16 de setembro de 2012

Via Láctea

 “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso”! E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora! “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”


E eu vos direi: “Amai para entendê-las:
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas”.


Olavo Bilac

sábado, 15 de setembro de 2012

Dona Doida

Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso
com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.
Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.
Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.
A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove. 


O texto acima foi extraído do livro "Poesia Reunida"
Editora Siciliano - 1991, São Paulo, página 108.
Adélia Prado


quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Estâncias

O que eu adoro em ti não são teus olhos
Teus lindos olhos cheios de mistério,
Por cujo brilho os homens deixariam
Da terra inteira o mais soberbo império.

O que eu adoro em ti não são teus lábios
Onde perpétua juventude mora,
E encerram mais perfumes do que os vales
Por entre as pompas festivais d'aurora.

O que eu adoro em ti não é teu rosto
Perante o qual o mármor descorara,
E ao contemplar a esplêndida harmonia
Fídias o mestre seu cinzel quebrara.

O que eu adoro em ti não é teu colo
Mais belo que o da esposa israelita,
Torre de graças, encantado asilo
Aonde o gênio das paixões habita.


O que eu adoro em ti não são teus seios,
Alvas pombinhas que dormindo gemem,
e do indiscreto vôo duma abelha
Cheias de medo em seu abrigo tremem.

O que eu adoro em ti, ouve, é tu'alma
Pura como o sorrir de uma criança,
Alheia ao mundo, alheia aos preconceitos,
Rica de crenças, rica de esperança.

São as palavras de bondade infinda
Que sabes murmurar aos que pedecem.
Os carinhos ingênuos de teus olhos
Onde celestes gozos transparecem!...

Um não sei quê de grande, imaculado
Que faz-me estremecer quando tu falas,
E eleva-me pensar além dos mundos
Quando abaixando as pálpebras te calas.

E por isso em meus sonhos sempre vi-te
Entre nuvens de incenso em aras santas,
E das turbas solícitas no meio
Também contrito hei te beijado as plantas.

e como és linda assim! Chamas divinas
Cercam-te as faces plácidas e belas,
Um longo manto pende-te dos ombros
Salpicado de nítidas estrelas!

Na doida pira um amor terrestre
Pensei sagrar-te o coração demente...
Mas ao mirar-te deslumbrou-me o raio...
Tinhas nos olhos o perdão somente!

Fagundes Varela