Mostrando postagens com marcador Olegário Mariano. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Olegário Mariano. Mostrar todas as postagens

sábado, 12 de julho de 2014

Meio-dia

Paisagem de Santo Amaro, década de 1920 - Anita Malfatti ( Brasil, 1889-1964)
Óleo sobre madeira, 31 x 42 cm - Coleção Particular   

Meio dia. A abrasada calmaria

No amplo manto de fogo a mata esconde,
Na fornalha que envolve o meio-dia
O ouro do sol tempera o ouro da fronde.

Pesa o silêncio sobre a frondaria…

Desponta o rio não se sabe donde.
Só, com a voz da mata, em agonia,
Uma cigarra zine e outra responde…

É o grito humano que da natureza
Sobe ao tranquilo azul da imensidade,
Ungido de amargura e de incerteza…

Querem chorar as árvores sem pranto
E as cigarras ao sol clamam piedade
Para suas irmãs que sofrem tanto!


Olegário Mariano
Do livro: Últimas Cigarras, 1920.

domingo, 30 de junho de 2013

Pressentimento

“Das estrelas do céu a que tem maior brilho,
Aquela que nasceu para me iluminar,
És tu, meu lindo filho!...”
E Maria se pôs a sorrir e a cantar.

“Das criaturas da terra a que de longe veio
Para o mundo salvar,
És tu, alma minha!” E aconchegando-se no seio,
Maria começou docemente a chorar.

Sob as asas do céu triste, neste momento,
O luar, como uma flor, se abriu em luz.
E a noite desenhou como um pressentimento
A sombra de uma cruz nos seus braços em cruz.


Olegário Mariano

sábado, 29 de junho de 2013

Cai, cai, balão

Na noite fria, quieta e estrelada
Que o luar envolve num grande beijo,
Vai subir o balão... A criançada
Acende os olhos, abre os braços em desejo...

Arfa o bojo amarelo num momento...
Treme. Estala ao clamor doido que o impele...
Lá vai levado no vaivém do vento...
Os olhos sobem para o céu com ele.

Ilusão de um desejo irrealizado,
Passou... Vem outro... Cai, balão! A noite é fria.
E outro que sobre, e outro que cai do céu doirado
Abre na criançada explosões de alegria...

Ah, vida humana! Em minha ingenuidade

Acho que o destino é triste mas é lindo!
Como um balão aceso, a Felicidade
Foge das nossas mãos e vai indo... vai indo...

Cai, cai, balão!




Olegário Mariano

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Arco Íris


Choveu tanto esta tarde
Que as árvores estão pingando de contentes.
As crianças pobres, em grande alarde,
Molham os pés nas poças reluzentes.

A alegria da luz ainda não veio toda.

Mas há raios de sol brincando nos rosais.
As crianças cantam fazendo roda,
Fazendo roda como os tangarás:
“Chuva com sol!
Casa a raposa com o rouxinol.”

De repente, no céu desfraldado em bandeira,
Quase ao alcance da nossa mão,
O Arco-da-Velha abre na tarde brasileira
A cauda em sete cores, de pavão.


Olegário Mariano

quinta-feira, 27 de junho de 2013

O Sol que canta


Quando a cigarra canta é o sol que canta.
Por isso o canto dela acorda cedo
E vai rolando com veemência tanta
Que enche as grotas, os campos e o arvoredo.

Desce aos vales, penetra na garganta

Da serra e acorda a pedra do rochedo.
Parece que da terra se levanta
Um punhado de pássaros com medo.

Em chispas de ouro e vibrações estranhas

Vibram clarins nas notas derramadas...
Estilhaçam-se taças nas montanhas...

E o sol, seguindo o canto que se alteia,
Deita fogo na poeira das estradas
E põe pingos de luz nos grãos de areia.


Olegário Mariano

quarta-feira, 26 de junho de 2013

A Fonte

Que melodia era aquela?
Dia e noite, noite e dia,
Sempre aquela melodia
A me entrar pela janela.

Sem saber o que fazia,
Fui seguindo o canto dela.
Era uma fonte singela
Que cantava... que corria...

Feliz quem na sua mágoa
Tem como a fonte sonora
Cantigas no choro da água...

Ai contraste singular!
Pode a alma cantar... embora!
Que a fonte chora é no olhar.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Versos ao meu cão


Meu cão chama-se Floc. Entre os mais belos,
É talvez o mais lindo que há no mundo.
É um cão meditativo e silencioso.
Nos seus olhos redondos e amarelos
Há qualquer coisa de saudoso
E de profundo.

É longo e magro. Tem o andar lento e pausado
De um boêmio sonhador,
Que vive a recordar com o seu Passado,
A Glória, a Vida, a Mocidade, o Amor...

Foge dos outros cães; anda constantemente
Só, porque ama o silêncio do abandono.
Passa os dias deitado molemente
Aos pés da escrivaninha do seu dono.

Tem carícias no olhar de água parada...
Outro dia, no escuro da janela,
Vi que olhava para ele, enamorada,
Maravilhadamente uma cadela.

Nasceu nalgum país de bruma fria,
Num castelo escondido entre a espessura,
Porque ele tem a polidez da fidalguia
E o sangue azul dos cães de raça pura.

É um cão de vida original e quieta;

Tão diferente desses cães de rua!
Meio filósofo e poeta
Amando a solidão e amando a lua.

Seus olhos grandes, mesmo que não falem,
Traduzem, num profundo desalento,
Toda a sua romântica afeição:

Há muitos homens por aí que nada valem
Porque não têm o sentimento
Nem a sinceridade do meu cão.

Olegário Mariano

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Crepúsculo de Junho



A saudade do Sol vibra nas folhas tenras
E as alamêdas têm retos de mocidade...
Ainda se ouver um rumor de assas que já fugiram.
As árvores estão chrando de saudade
Pelas últimas folhas que caíram...

Há sombras na água... O poente é ouro velho
E a paisagem perdida em meia tinta,
Tem sombras imperfeitas e bizarras...
Sente-se muito ao longe, apagada, indistinta,
A música das últimas cigarras...

Com estas sugestões de crepúsculos tristes
Esta Elegia trêmulo rascunho...
dos meus olhos fugiu tôda Felicidade
Para sentir-vos, ó Crepúsculos de Junho,
Na vossa humana e intérmina saudade.

Foi preciso sentir e amar as árvores!...
Fui árvore também, vivi com elas,
Mas veio o outono, malsinado outono,
Deixando além de folhas amarelas,
A angústia da saudade e do abandno.

Por vós que humanizais a natureza,
Me ajoelho, me enterneço e me acabrunho.
Crepúsculos de Glória e de Beleza!
Que alegria sentir vossa tristeza
Por estas tardes lânguidas de Junho!

Olegário Mariano
(Em: Toda uma vida de poesia vol. 1- págs 197,198
Ed.José Olímpio, 1957)
Nota: o leitor vai encontrar acento onde não existe bem como letra maiúscula
sem necessidade. Informo que isso se deve ao fato de ter mantido
a grafia original e que era dessa forma que se escrevia nas décadas de 40 e 50.