sábado, 27 de abril de 2013

O manjar


Os dois estavam comendo sem falar. Só os dois na mesa, e os dois em silêncio. Aí ele fez um comentário. Só por fazer.

- Não existe nada pior do que risoto frio.

Ela só olhou para ele e continuou mastigando.
Daí a pouco disse:

- Bunda caída.
- O quê?
- bunda caída. É pior do que risoto frio.

Novo silêncio. Depois ela completou:

- E risoto frio tem jeito. É só esquentar.

Mais dois ou três minutos. Ele:

- Bunda caída também tem jeito.
- Como?
- Ginástica. Plástica.

Desta vez o silêncio durou até o fim do jantar. Ela levantou e levou os pratos para a cozinha. Depois, como ela estivesse demorando para voltar, ele gritou:

- Matilde!

Ela apareceu na porta da cozinha.

- Que mais? – disse.
- Sobremesa, ué.
- Não. Que mais? Você já criticou meu risoto, já criticou minha bunda… Que mais?
- EU critiquei sua bunda?
- Eu faço plástica. Me dá o dinheiro que eu faço.
- Tidinha!
- Não seja por isso, Vicente.

Ela desapareceu na cozinha. Ele esperou um pouco e depois foi atrás. Ela estava olhando fixo para uma massa disforme dentro de uma fôrma, em cima do balcão.

- O que é isso? – perguntou ele.
- Manjar branco.

A massa era escura. Ele chegou a abrir a boca para falar, mas decidiu ficar quieto.
Depois, na mesa, comeu o manjar e fez “Mmmmm”.
Ela levantou-se da mesa, pegou algumas coisas no banheiro e no quarto e foi para a casa da Enolina, que tinha comprado uma TV de 29 polegadas. Decidida a não voltar mais.
Aguentava tudo, menos a ironia.


Luis Fernando Veríssimo

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